28/07/2009

Testamento

Nasci do enlace safado entre a poeira e o mofo Mas não em virtude duma genealogia sacana tentei dedicar viçosos suicídios O inaugural, inclusive, ocorreu quando, nascituro, afoguei-me em vinagre amniótico Mesmo no pós-útero mantive-me leal a um sem-número de investidas! Soçobrava, emergia, cabeceava bolhas, e diretorreto uma vertigem não menos zombeteira do que filha da puta, no múnus de anjo prontificado pleiteando uma pena a mais, retirava a tempo o que de mim boiava por sobre aquela bílis Recordo também do impulso com o qual pulei dentro da sombra e, como era e foi pra ser, falhei na decadência Escolhi a sombra errada (sem fundo, não parei de cair: pior que estar no fundo do poço é estar no poço sem fundo e sem eira nem beira que não beire nada além da loucura); em contrapartida, aprendi a apreciar o quanto apraz a sensação escorregadia de vida inerente ao ato de esboçar testamentos Eu, o de cujus sucessione agitur, lego o que neste consta ao primeiro punhado de vermes que a luva bacana da medicina legal flagrar domiciliado na derradeira massa fujona Ratifico: uns únicos parasitas embaraçados haverão de herdar tudo! E, apesar desta generosidade macrocósmica e inconteste, os diminutos beneficiados ainda praguejarão, pública e ingratamente, pra que todo o inferno e dissidências ouçam e não me acolham, sob a alegação de que fui um ordinário objeto da semiótica, deixando aqui ossatura que não cheira, não fede, e nem o que da língua escorre, gruda ou arde
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(da série Engavetados)

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