27/08/2007

Consummatum est

Mas não: querendo incrementá-la, acabou inventando o tal do ser humano, em vez de se contentar com bichos-da-seda, palmeiras e sabiás, e arruinou sua obra. Tudo em apenas seis dias, pra se matar de remorso no sétimo – eis a verdadeira conotação do ‘descanso’ divino. Quem passa a mão na cabeça de deus esfolia-lhe os chifres, acelera a calvície, até o ponto de tonsura. Quiçá sequer houve inveja por parte de Lúcifer em relação a deus, pois a inveja calcada na inteligência só se dá em face do pendor que os ácaros têm para a filosofia. Não acredito na existência de deus, sendo ele Cristo, Satanás ou o átomo. Inclusive duvido da existência dalguém vivo o bastante pra descobrir que esteja morto. Cristos e Satanases surtem o efeito dinâmico da carência humana pela carne eterna. Toda religião cultiva o frisson diante de um bife enervado, concorre com os vermes e pra estes o perdem. Não houve um só homem que não tenha sido convertido pela promessa teologal dos vermes. Não creio que haja alguém grande o bastante pra cultuar sua lombriga (e reclamar de barriga cheia). Acredito fervorosamente que todo homem receberá seu devido julgamento. Se um deus embromou seu renascimento durante três dias, imagino quanto tempo despenderá quando for julgar um homem já condenado pelos carrascos larvais. Enterrados ou cremados, não há escapatória: todos serão hóstias de um método. Morte designa o nome genérico conferido à cerimônia onde ceiam o descendente de Adão. Nada mais justo: se ele veio do barro, que retorne ao barro. A hipótese de inferno não felicita meu suicídio, mas coroa minha cabeça com a idéia de que a vida não passa de um cerco furado. O homem só vai ao inferno se nunca sair daqui.
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Em nada admiro divindades marmóreas, pois não vejo nobreza no apego por criaturas pequenas. Fique óbvio que não faço alusão à estatura: o agaivê e o câncer são honoráveis feras ¨praticamente invisíveis¨, logo merecem respeito, ma non troppo, considerando o que predam. E se os cães e demais bichos delimitam seu território com o jorro advindo da genitália e/ou boga, qual o problema em oferecer minha bunda, se viso assinalar o pênis que me pertence? Não acredito na existência (moderada) de enófilos/enólogos. Quem bebe, o faz por um capricho quantitativo, ambiciona o penúltimo copo deleuzeano; quem bebe, de verdade, costuma pagar uma dose praquela arrombada ressaca. Detesto vinho, por motivos óbvios também. Todo sacerdote católico, no epicêntrico ato eucarístico, confessa sua queda (necro)canibal-vampírica, dado o gosto em ingerir o corpo-sangue literal. Sim: quem entra na fila a fim de engolir carne e sangue humanos = antropófago/vampiro, ou os católicos vão alegar, agora, que tanto a hóstia quanto o vinho apenas 'simbolizam' o lado orgânico do redentor? Então o Milagre de Lanciano não procede? Outra: os católicos adotam práticas pagãs, logo não faz sentido condená-las. Quanta cara de pau!
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(__) Diga-se de passagem: não cultivo paciência nem respeito por quem dá a suposta própria vida pelo pico, gole ou trago. Bastam os mártires aureolados que morreram de overdose; basta esta praga de existência! Em prol da vasectomia nas argilas, ad amusim! Ainda querem remediar a existência com a tal da eternidade. (†) Por que não posso simplesmente morrer, feliz para o todo sempre? Além do mais, que misericórdia incondicional (?) é essa se um deus precisou edificar mais outro inferno? Se ele quis perdoar a todos, genérica, indistinta e irretroativamente [________________(?)], por que ser instruído, desde o berço, a engordar a culpa pela morte dele, justo ele, justo alguém absolutamente capaz de evitá-la? Perdão não endivida o perdoado. (†) Pra que outro inferno se há o abismo entre alegoria e literalidade bíblicas? Se Adão é o útero de argila que me pariu sobre o leito alegórico, como saber quando estou diante duma figuração ou dum fato concreto? Âââ. E. Qual a extensão e validade desse perdão? Aquilo só prova o seguinte: se deus morreu naquela cruz pra perdoar os pecados do leitor, não cabe a mim perdoá-lo, porque não há nada mais repugnante e medíocre que um deus, daquele jaez, ser abatido pelo ser humano. Fosse deus onisciente, não teria se inventado. E se há quem reze, implica que deus pode interferir, pôr a mão na massa, e se porventura ele interfere, de que livre-arbítrio tratam? No mesmo rumo, só há livre-arbítrio se estou diante duma escolha a qual não (me) acarreta apenas sanção. Se deus age quando oram e quando pune, onde a emancipação humana se consolida: quando da interpretação/confecção da vulgata? Duvido haver um inferno tão desordenado e confuso quanto esse calhamaço considerado de inspiração divina (¨até mesmo, convém elucidar, quando Satanás se inclui no rol das divindades responsáveis¨)! Associam a figura de Lúcifer às confusões de primeira ordem e mentiras soberanas, entretanto (quer saber?), não faz sentido omitirem sua contribuição direta à bíblia, pois ela se manifesta cristalina e saliente. Humpf.
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Que deus é esse que burla as próprias leis e me exige o cumprimento dos dez mandamentos? Por ora, não acredito na existência de deus algum, seja ele Cristo ou Pazuzu. (†) É notório que Cristo foi crucificado nu, porém é defeso representá-lo com fidelidade, pois o que seria da cristandade se flagrassem o messias de pênis ereto? Cristo, o protomasoquista; São Jerônimo, o protossurrealista; Lutero, o maior foco da epidemia (ao licenciar a 'livre interpretação' da vulgata, surgiram as igrejas-gremlin, as quais, salpicadas com água-benta, multiplicaram-se mais que pão e peixe. Por isso há mais igrejas que cristãos. [Daí o medo de dormir em minha cama e acordar em banco de igreja. Desde a Reforma, nunca mais dormi!]); Kardec, o oportunista (valeu-se do livro mais 'pop' do mundo dos vivos para convalidar sua doutrinice). Existindo um deus, este não merece uma religião (aqui, o verbo 'merecer' tem sentido alegórico). Uma bíblia não merece atenção nem paciência da poeira. Não tenho um pingo de respeito por quem respeita tudo. Religião = divã dos que não toleram o ato sacrificial da criatividade, dos que temem o risco do compromisso consigo mesmo. Dilui o direito à identidade na padronização imposta como cláusula pétrea. A bíblia = passatempo predileto dos criminosos caretas de alto escalão, arsenal que o senso-comum aponta sem saber manejá-lo. Eternidade = solução encontrada no momento para o mesmo momento, capaz de saciar a fome imediatista, mas não o apetite refinado. Eternidade é exigência de glutão; gente fina come pouco, sacia-se com o finito. Homem = coisa concebida à imagem e semelhança do planejamento de si mesmo pra si próprio. Quem se doa à religião realiza o desejo da pulga sem circo. Igreja católica = instituição contra a homossexualidade e simultaneamente a favor de seu fabrico. E qual o problema de um homem que se tornar mulher? Aberrante, amoral e perigoso é quem se transforma em deus.
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O ser humano só não se compõe, quando, por receio ou dó, deixa de abater deuses e/ou demônios. Deve 'querer' (necessidade orgânica) ser a si próprio de maneira inconseqüente, todavia deve se responsabilizar pelas conseqüências decorrentes do projeto de si mesmo. Ele não experimenta deus, e sim idéias bem plasmadas sobre deus ou si próprio. Cabe a ele decidir como se moldar de acordo com os fatores hereditários e externos, influências voluntárias e involuntárias, fazendo de si mesmo não o único, mas o primeiro ponto de referência. Uma religião não dispõe do direito de escolher para o homem o que ele quer de si, para si mesmo. Uma religião também não tem interesse em responder bulhufas: apenas indica uma explicação simpática cujo riso costuma estender o problema. Ela nada responde. Além das guloseimas, incumbe-se de oferecer explicações ralas recalcadas por um repertório frágil, desonesto e opressor, as quais acompanha desde o esquecimento do bom-senso. Banco de igreja = banco de réus. Amém.
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Quem se deixa guiar por um deus, engessa a faculdade de se criar a partir do que se quer de si, para si mesmo e para outrem. O homem é o único animal a usufruir de sua racionalidade pra viver em função de um deus, em detrimento da natureza que o saúda a viver, bem e com dignidade, aquém da religio perennis. Chega de lamparinas, de oráculos, de avatares, musas à la Delacroix e de ícones revolucionários poluentes; chega de cultos ao heroísmo e exaltações em massa do mérito humano! Chega. (__) Se mártires são projeções subordinadas ao superego, então devem ser caçados, torturados e eliminados, pois só assim se pune devidamente o desgraçado portador de messiania (¨psicose teossomática irremediável¨). De igual modo, não me venham deificar a poesia, declarando-a "a linguagem por excelência". Humpf. Típico discurso ditatorial comumente (e inconscientemente) proferido em tom inofensivo, embora camufle um "quê" fascista, sedento de unanimidade. Quem eleva a expressão artística, ideológica ou religiosa à condição de epifania costuma receber benção tanto no seio totalitário da filhadaputagem stalinista quanto nas soeiras da infalibilidade nazipiodozeana. (__) Deus quis ser deus, tratou logo de inventar o ser humano, e se matou no sétimo dia, antes de testá-lo. Toda idéia de deus bíblico canoniza uma prática diabólica. Por onde deus passa, ele deixa um rastro de sangue, sangue misturado ao barro – assim ele se safa. (†)
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Arte: Tatomir A. Pitariu - Título: Birth of Evil - Site: www.tatomir.com

19/08/2007

Aposto 70 virgens!

13:04, no semáforo:

– Moço, compra um quibe de mim? Custa só doi reao, pode sê?

Uma senhora, chupando mexerica e cheia de bobs no cabelo, consulta o relógio do toca cedê no qual acoplou uma Kombi:

– Putz, são 13:10! – ela atropela o sinal vermelho e atinge Henry Sobel bem na faina. A quibarada despedaça e a nota de doi reao vai pousando no PARE. Sobel, levitando em direção ao garantido Firdos, estica o braço até estalar, e não a alcança. No trajeto, observa um formigueiro cinzento de operárias ápteras abordando Alexandre. Conduzem-no à 789ª Delegacia Seccional de Polícia Civil. Lá, haurem seu testemunho sobre o atropelamento. O Rolex Oyster Perpetual do delegado marca 18:20. Alexandre brinca de modelar o quibe remanescente durante a lavratura do beó. Assina um termo de comparecimento para o dia 37/13/__. A autoridade o libera. Alexandre dá um rechonchudo suspiro, mas chegando no estacionamento não encontra sua jog. Com os doi reao do salgado pega um teletransportador de moléculas o qual enguiça no meio da viagem. Atrasado, falta ao compromisso na redação da Bravo!. Bate na porta, interrompe a reunião. Roberto Civita, mais puto que Satanás possesso pelo Exu:

– ...LEXANDRE SOARES SILVA: o sr. está DES-PE-DI-DO! E pensar que (...). Ora. E não adianta, pode chorar até morrer!

– Espera, vou explicar: entrou um trigo integral no meu olho – tenta se justificar, petelecando um naco da coisa grudada no cotovelo, enquanto o recém-chegado Sobel mal cumprimenta Alá e já propõe:

– Aposto minhas 70 virgens que em menos de meia hora Alexandre pinta por aí! – e começa uma contenda, joga um monte na cara de Alá, insulta-o ao abrir mão das virgens. – Pô, o que fazer se o corpo delas é puro ectoplasma, hein? Meu bago e estas vaginas holográficas não combinam. Qualé, Alá, já saquei a sua: as moçoilas permanecem, por uma questão lógica da sua metafísica sacana, intactas; lado outro, os machos, inclusive o sr., ficam aí, ó, que coisa nojenta: trepam tanto que um se enrosca na barba do outro. Coisorrorosa. Este paraíso não rola, tem menos carne que quibe! De todo o merchandising sobre paraísos, o seu é o mais fraudulento. Devia ter ouvido Karol Wojtyla, pois no céu de Anton LaVey não falta açougue nem chucrute.
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À esquerda, aponta a auréola de Alexandre. Sobel, ao ver, arma o sorrisão e recepciona:

– Bem-viiindo, Alê! Ah, por falar nisso, cadê meus doi reao?

– Enfia. – responde Alexandre, entregando-lhe um quibe esmigalhado.


13:04, no semáforo dum universo paralelo, à parte:

Desta vez, Henry Sobel não aparece oferecendo quibe aos motoristas. A mulher chupa sua mexerica e avança sobre o sinal vermelho qual um touro. Alexandre é o primeiro a chegar na reunião da Bravo!. Pra passar o tempo, pega a Folha e lê, no caput: RABINO REVELA O ESCONDERIJO DE BIN LADEN E DEPOIS SE ENFORCA COM UMA GRAVATA FURTADA.

Osama Bin Laden foi localizado e sumariamente condenado à morte (como se uma condenação à vida não fosse o bastante), mas antes, à luz do Código de Hamurabi, fez seu último desejo: "I just wanna eat a Big Mac". Quando Bush ia triscar o "on" da cadeira elétrica, em cadeia universal, Condoleezza Rice rapidamente se levanta da primeira fila e avisa-o que Bin Laden já está morto. Pra compensar tamanha decepção e mico, a platéia, depois de vaiá-la, lincha Condoleezza no estilo enamorado à la Mel Gibson, coloca-a pra tostar na cadeira, até ficar preta.

Dois anos decorridos, ainda não há consenso quanto à causa mortis do terrorista saudita: fanzines sensacionalistas de punks hare-krishnas dizem que ele se engasgou com a folha de alface e morreu asfixiado, atiçando a cólera de vegetarianos compulsivos anônimos. Um idôneo laudo pericial afirma ter sido botulismo, corroborado pelo fato de Bush ordenar a invasão de todas franquias do McDonald's, a fim de apurar se nelas há latas de intoxicação em massa, além das de tomate.

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13:04, eita semáforo:

70 virgens vendendo quibe, pe-la-di-nhas e com aquele bigode que só Hitler tem! Uma delas bate à janela da Kombi:

– Moça, compra um quibe de mim? Custa só doi reao, pode sê?

– Tsc, hoje não. – respondo, piso no acelerador, atropelo umas 10, e enfim chego no salão a tempo de me aprontar para a cerimônia de Bush e Bin Laden: os dois primeiros terroristas gays a casar numa sinagoga maronita.
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13:04, no semáforo (cena cortada)

Bush veste um curtíssimo, desenhado por Anish Kapoor; Laden, um longo kilt com estampas lowbrow, por Herchkovitch. Presentes os primeiros mandatários representantes do G8, em ordem analfabética: países mais pobres da pangéia e Brasil. Personalidades festejadas. À esquerda, skinheads franciscanos antitonsura acendem o Souza Paiol, em uníssono. À direita, sentados no chão, jogando 5 Marias, vegetarianos viciados fumantes de mandrágora e cyberpunks hare krishnas folheando Carpinejar. Ao fundo, a seleção umpalumpiana de para-rugby. Elton John destampa o órgão. Bush entra, seguido de Michael Moore trazendo as alianças num relicário de âmbar. Anna Netrebko inicia o mantra da Internacional Socialista. Percorrido o tapete, o padre maronita, já de frente para Laden e Bush, após o falatório de praxe:
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– Quem se opor a esta união, que se manifeste agora ou se cale para todo o sempre! (___) Arrrhã. Gê Dáblio Bush, o sr. aceita (___) até que a Morte os separe? (Moore não se contém, deságua). Osama Bin Laden, o sr. aceita... – Monique Evans interrompe o sacerdote, cortando a cerimônia com seu microfone. O ambiente, impregnado de Souza Paiol, provoca tosse em Netrebko, que engasga. Elton John?, nem aí! (___) Bush arremessa o buquê, a Morte solta a foice e o apanha. 14:12. Horário de Brasília.