24/10/2007

Corró


Es gibt immer Gerechtigkeit, wenn das Gedicht die Poesie bestraft

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A salivação, a sudorese e o choro
enferrujam as figuras metálicas,
talheres e candelabros,
utensílios onde o poeta se reflete,
enquanto extrai um pêlo
a eclipsar o que tem de pênis
pra Armin Meiwes mastigar.
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Da poesia, ainda ouço estridentes gritos
(ou seria apenas a reprodução dum único urro,
ou a teimosia do último eco, imobilizado,
bondage? – dentro da boca que,
quando o diz, maldiz aquela,
porque a sabe atada na própria língua?).
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Agora, devidamente amordaçada,
geme sua última vogal,
na medida em que pauladas
determinam suas pernas.
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Ouça, a poesia tenta subornar!
(_______________nem_________?)
Leva pedradas na boca,
regurgita as pedras do rim,
não vale a bílis prostrada
perante a bota do carniceiro bratislavo
d’O Albergue de Eli Roth.
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Ouça, só o poema imola a poesia!
(_______________n_m_________?)
Engasgada com a genealogia
e a poeira de tantas correntes,
tosse sua última vogal,
na medida em que Belphegor
desfibra as testemunhas,
Apolo e Dionísio.
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Ilustração de Bessonov Nicolay. Interrogation of Marie Curlie (2001).

18/10/2007

Nolens, volens (contra-respostas, aforismos)

1. “A religião é o ópio do povo”, dente de ouro de Karl Marx que, segundo Reinaldo Azevedo – um dos neurônios instalados na Veja (por sinal uma revista tão direitista que removeu o hemisfério esquerdo do cérebro) –, cria a ilusão de que o homem é onipotente. Ora, quer [ele] maior demonstração de onipotência do que sustentar a existência duma vida eterna?

2. Tempo não é o terço bizantino orado pelo relógio, mas a energia alcalina que me mata enquanto estes exatos ponteiros, apesar do desinteresse por uma tradição das almas, mexem-se com intransigente vigor herético.

3. Vezoutra entendo quão difícil é dominar a arte negra da convivência, tomando por base a complexidade de eu mesmo ser algo chato de se criar.

4. Como saber se o que deus escreve não corresponde a uma mera interpretação pessoal, de um homem qualquer, acerca de si próprio, compenetrado em um eixo tão certo quanto a faculdade de imaginar, em fiel conformidade com um vício irremediável ou uma vaidade inconsciente, hereditária e útil na grande maioria das circunstâncias e círculos sociais onde se requer a apologia de antemão, pois o que se conhece a respeito de deus depende da leitura que esse homem faz da luz (inculcação duma autoconsciência sob êxtase) que julga trazer dentro de si mesmo, luz esta imperscrutável para os outros em estado diverso do contemplativo ou até mesmo para aqueles aptos à sintonia com a mesma carência? (___) Impossível abster-se da consideração fixa e simultânea de deus e de si mesmo. Inaceitável a idéia de [considerar] deus sem considerar a de si próprio. Se uma determinada hipótese é dinâmica assim como toda teoria interessada no eu existe e é transitória, posso concluir decerto que o eu e deus se encontram diretamente numa mesma confluência psíquica inacessível.
Eu não me conheço, logo sei-me deus – não há nada mais genuíno, instável, obscuro e por fim conveniente.

5. Deus é sobretudo atarefado: sequer dispõe de tempo pra existir.

6. Tardio, começo a desconfiar da teomania: quem precisa acreditar na existência dum deus pra se sentir saudável sofre dalgum transtorno de ordem mental. Se me permitem, eis o diagnóstico de muitos pacientes: paranóia, delírios introspectivos¹, histeria, neuroses, humor flutuante², conceito exagerado sobre si mesmo³, esquizoidia⅓, sociopatia⅔.

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1 - Visuais, auditivos e olfativos; oniromancia (Nostradamus).

2 - Picos de euforia exortativa e recolhimento monástico (bipolaridade).

3 - Messiania, dogma da infalibilidade papal.

1/3 - Ascetismo, renúncia da atividade sexual e demais prazeres sensoriais imanentes à vida mundana.

2/3 - Autoritarismo (intimidação, violência seguida de requintes de crueldade empregados a fim de manipular os outros e satisfazer os próprios caprichos. Apresentam uma expressiva atuação sócio-política e sedutora fluência verbal. Costumam liderar grupos/instituições e o diacho, exempli gratia, Igreja Católica e a criação do Tribunal de Santo Ofício, Cruzadas, Nazismo, Hamas, Fatah, Hezbollah e regimentos com fitos bélicos, declaradamente santos ou não), preconceitos, intolerância, opróbrios (no Brasil, neopentescostais), moralismo superficial, i. é., hipocrisia (insanité sans délire), comportamento invariável (fundamentalismo).

14/10/2007

Inexpresso Araxá – o (queima-)filme

Da realidade cenográfica ao filme imaginário (ou 'medida profilática')


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Arremedo do início ao começo, Expresso Araxá não acontece enquanto filme, logo não termina. Seu realismo-denúncia com o bedelho no factóide a todo tempo revisita valores rasos a encher copos enjeitados pelo aedes aegypti. Antes fosse um filme tão perigoso quanto sair na madrugada pra comprar o cigarro da patroa e não encontrar nenhum posto 24 horas aberto. Enlameado em arquétipos passionais brutamente colados de Linha Direta e noveletas made in Rede Globo¹. O protagonista (o ator Luiz Paixão), um corno assassínio cuja única psicoterapia encontrada pra “tentar” mitigar o trauma foi fugir pro interior mineiro (Araxá, corruptela que vezenquando visito) e lá abrir um boteco, interpreta o tipo ranzinza blasé, embora incorpore um exímio psicopata: mata 4 em condensados 20 minutos, tempo estimado de duração do curta, o qual trafega entre 2 épocas diferentes, num vaivém plano, fácil e maçaroquento. Mais um engodo pra família! Há até um recorte escancarado de Psicose (Hitchcock/1960)²: um repórter policial (um tipo de versão contemporânea e hipocondríaca de Sherlock Holmes), hospedado no hotel Ouro Minas (personagem coadjuvante de Sérgio Fonta, o delegado de 7 Pecados), vai tomar uma ducha (coice d’água). Nesta cena, que em vez de sugerir fizeram questão de abolir o suspense (mataria de inveja um estóico, diante do dilema de expungir na íntegra suas emoções/sentimentos, antes da flecha persa lhe trespassar o órgão vital), embora agindo assim acreditem ter enrijecido os nervos e apetecido em adrenalina, utilizam também um personagem pros quintos de previsível, porque este pressente tanto a proximidade da própria morte que poderia ter trocado de ramo e se dado bem como vidente. A vítima é esfaqueada (ooooooooooutro cacoete), porém acorda aturdida e suada: tudo não passa dum susto onírico. (nada mais óbvio, tão paranoicamente lógico! Tal repórter não sai do pé do dono do bar; começa a sondar sua vida e deixa nítida a intenção de um dia apurar seus crimes, intimidando-o, inclusive, em seu próprio estabelecimento comercial). Não. Em verdade (maaaaaaaaaaaais um pastiche), foi um pesadelo premonitório. Logo, ao acordar, cai de boca nos seus medicamentos, e morre, de súbito, epilepticamente: o serial cuckold³ killer havia trocado os comprimidos da vítima por um frasco de veneno (overdose de naftalina). Depois, entra no aposento, trajando a rigor um sobretudo e aquele par de luvinhas de couro pretas, tudo impecavelmente jamesbondiano (e, só pra variar, mais uma mostra insaciável de lugar-comum), e destroca o frasco contendo veneno por aquele dos medicamentos – revelando a causa mortis et modus operandi do futriqueiro e sua periculosidade de grife.


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Outra cena pecaminosa sucede quando o repórter desabafa com uma massagista, oportunidade em que esta lhe confessa ser irmã do capanga que matou Domitila e Antenor (amante desta), contratado por Olímpio (homem daquela), crime datado de 17 de Outubro de 84, justo o crime o qual se empenha em deslindar. O telespectador "mata" fácil a charada. Melhor: cutuca no defunto, pois o curta nasceu morto. Ocorre-me que diretor e quadrilha se esforçaram, como num supino reto, pra facilitar a solução do enigma. Só não entendi a razão de focarem o freezer (patrocinador?) da Bhrama, pois esta multinacional, ao que parece, não ofereceu suporte financeiro pro filmete (salvo se a gráfica vacilou no cartaz de divulgação; exceto se a logomarca da Bhrama enobrece algo: quiçá diz respeito a algum código lostiano o qual modifica toda a trama e é imprescindível para a moral da estória). O que a mulher do protagonista tem de traidora, cineasta e Cia têm de esposas emburcadas pela Rede Globo lifestyle.


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Nem Walt Disney vive só de entertainment. Ex toto corde: o disfuncional Expresso Araxá (sob a direção do barbeiro Chico Lima) nem isso propõe*, exceto se o telespectador, bronco, gosta de beós-croqui, excita-se ao ler inquéritos policiais papai-mamãe. Cai como uma luva sobre quem sonha vestir farda. Expresso não atende sequer as exigências da indústria de entretenimento e tampouco serve de instrumento a nortear conflitos psicológicos, discutir ditames, sugerir abertura ou derrubada de conceitos milenares, posturas ou quaisquer outras questões suscetíveis de sobreposição em mesas redondas. Nem uma mesa de boteco que solta mais lascas de madeira que um cão donde espirram pulgas ele merece. Tão batido quanto lombo de quilombola, por isso coxo e cansado. Derivativo sem se dar conta da previsibilidade. Oco, embora entumecido de euforia diante do nascimento do caçula – aleijão, convém esclarecer. Não há personagens, considerando que culmina na ausência de atores: apenas figurantes agem. Façanhoso, portanto. O roteiro, escrito por quem pompeia ter convivido com genuínos chefs parisienses – e no entanto só aprendeu a preparar Cremogema. Nem o quesito fotografia merece absolvição. Escanearam os postais mais comerciais de Araxá e imediações, os quais*, desde o dia glorioso quando aportou na cidade a primeira máquina fotográfica, fazem-se disponíveis em todos museus municipais, rodoviária, quaisquer bancas de revistas, nas mãos de pantomímicos surdos-mudos vendedores de orações em Braille ou docerias de Donas Joanas. Expresso, apesar de iriante, é a versão desanimada dos postais. Anêmica, portanto, diga-se de passagem. (Re)inaugurou um gênero nacarado da mediocridade por extensão, (e não por analogia, pois talvez não há par ou exemplo equivalente enquadrado). Quem dera fosse um experimento rotoscópico! Longe disso. Mais distante que a Far Far Away de Shrek. Expresso apresenta-se mais inçado de vícios do que Marx de furúnculos.


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Se Sin City aviva com prudência a graphic novel de Frank Miller, Expresso escora nas reconstituições canônicas do programa Linha Direta, direto. Só que este presta seu socorro à desesperada segurança pública: a denúncia anônima muitas vezes confia ao telespectador a chave da cela dos criminosos foragidos, enquanto os feitores – e receptadores – do Expresso permanecem soltos e ilesos exibindo seu crime qualificado por concurso de agentes e blablablá. “Mas é o primeiro filme cem por cento araxaense, pô. Não há cabimento nesta comparação!” – assim haverão de atravessar a saliva furibunda na réplica. Pouco importa. Farrapo-resposta. Por que a gente deve fazer um filme esperando melhorá-lo depois? Se dj’s fadam-se a “gozar com o pau dos outros” (porque não musicalizam nada; na práxis, reproduzem, inserindo e(n)feitinhos, light sticks sonoros e quejandos – e não raro estragam –, no bate-estaca, o já pronto e sob o ponto), Expresso caga com a bunda de Roberto Marinho e a limpa em cartões postais pró-turismo anti-osteoporose. Filme (filme?) tão chato quanto ouvir trocadilhos. Nada contra estes, mas sim contra quem acha que abafa tão-só em recontá-los. Trocadilhos valem pela espontaneidade inventiva somada ao besteirol planejado e a reação “natural” diante do surpreso ouvinte. Têm lá sua função terapêutica – mais recomendada que o barro paleolítico situado nos feudos araxaenses. O filme só frenteia o tirânico jornalismo local, o qual (sei-sei-sei, ainda não dei uma dentro da novidade) manipula o formato da opinião, compra o parecer pacato e assim pavimenta o atalho da estagnação. Amordaçado pelo calafrio de reprovar entusiastas histriões e lidar com as bravatas caudilhosas, veicula apenas a vox de posicionamentos elogiosos e convenientes, cerceando assim a crítica, cujo fito é o de não aceitar tudo o que se nos aparece – de samaritanos braços abertos –, como se só o fato de o filme ter sido originado em nossa terra-ventre bastasse pra ele ser unanimemente plausível, dispensando-se a honesta análise detida seguida do apontamento de falhas, no caso, crassas. Um curta-metragem anencéfalo, logo não poderia ter nascido (todavia, teimoso, debateu-se, chegando a sobreviver por 20 minutecos). Qualquer videozinho improvisado de 1 minuto, encetado no YouTube, filmado por um vestibulando travado portando sua 3.0 megapixels, consegue ser mais proveitoso que o profissionalesco Expresso. Se deus concede asas a quem não sabe plainar, a tecnologia propicia maquinário a quem não sabe ligá-lo. Quem não sabe a função do botão réqui, deve ter a mão do dedo que o pressiona decepada pela claquete. Expresso é tão policial e insinuante quanto um beó redigido pelo Rambo da peême é literário e autônomo. Um aviso a Chico Lima e cupinchas (eu, diogomainardiando...): só se faz um filme quando do convencimento de que uma filmadora não tem o réqui, mas um gatilho. Por isso deu no que não deu: um filme-festim, cujo disparo amuado se esconde atrás dos estalos de pipoca. Tudo o que o araxaense (acha que) faz motiva foguetórios. Araxá precisa duma pira inquisitorial, isso sim (pra compensar seu vulcão "também" fora de atividade). Araxá: "Trem da História" descarrilhado.


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A saber, também não entendo a cediça simpatia patológica, a patente compulsão por elogios em face de tudo o que brota da terra-mãe (maternidade escravocrata indestituível). Denota decerto um Complexo de Édipo essa dependência sintomática de se dirigir ao berço. Ora, útero não é Meca de nada, só o que dele sai, destarte o sagrado (leia-se "arte") não compreende ponto fixo, inamovível. Mas, aqui, importa içar a bandeirola Libertas Quae Sera Tamen e oferecê-la aos ventos, todo o resto se deve relevar. Desnecessário averiguar a qualidade do produto araxaense: a procedência, por si só, convalida, recebe o carimbo do Inmetro. Putz. E ainda tenho que aturar o Olavinho Drummond avalizá-lo: “...filme competente”. Apresentador a levar a cabo edições dum pseudojornal, jeca, todavia contando com um Frank Sinatra na fachada (“Hello Detroit...”) – como se a cidadela fosse uma extensão de Manhattan –, cujo slogan assegura: “Jornal objetivo, transparente, plural e imparcial”. Ora, imparcial a ova: ...té parece que todos gostaram do filme. Ha. Jornalismo desonesto, de má-fé, pois ludibria o telespectador quando leva ao ar somente pontos de vista horizontais, digo, favoráveis ao interesse de terceiros; ao merchan, ao lobby. Se preciso, o entrevistador-proprietário puxa com vontade o saco, a ponto de chamá-lo, apesar de o entrevistado ser um hippie, de "vossexcelência". Ha. (___) Ha. (___) Ha. Outros espécimes de entrevistados – os da cauda presa – que elogiaram-no foram tão tendenciosos quanto o artificial jornalismo araxaense, jornalismo este que outrora estampou, na primeira página, seu fiel desgosto quando da reeleição de Lula, confortando a persona de Alckmin, com algo desse jaez: “Lula venceu, mas Araxá votou em Alckmin”. Desprezível. Assim como no Orkut não há comunidades (e sim tietagem organizada), em Araxá não existe jornalismo, porém fãs-clubes pró mandatário do poder executivo municipal (fique cristalino: não me refiro à atual gestão, falo de todas); aliás, aproveitando a mão no ensejo, tão pendular quanto seu honorável colunista, empregado do poder judiciário, ao inocentar (entenda-se 'frustração por não ocupar cargo legislativo', porque o referido magistrado, aberrantemente, pressupõe a existência da presunção da absolvição, embora, em sede penal [qualquer neófito o sabe], só se permite alegar a presunção da inocência, conforme preceituam doutrinas e leis vigentes) um assassino promotor de justiça, invocando uma incabível ‘legítima defesa’, pois aquele efetuou 12 disparos, ferindo 1 e matando outro, tão-só porque as vítimas chamaram sua mulher de “gostosa” etecétera. Houve agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiro, repelida moderada, proporcional e necessariamente, ONDE? Ora, não vem ao caso a origem do réu, faz-se justiça quando se condena o crime, não o criminoso; punindo-se o fato, não se exime o cidadão da culpabilidade, no entanto porcamente sói o avesso: se se tem ascendência patrícia, já não se desnuda o fato, mas se veste o réu de um mantô inquebrantável. O Estado não visa proteger o reo nem uma societatis, mas a si próprio, mais especificamente, quem o representa (no caso, o promotor vacilão com o cu pra lua e o phallu pro codex). No Brasil não se vê cinema, literatura nem justiça; em contrapartida e contramão, nunca se viu tanta lei pra cinema, literatura e justiça. Statu quo: in dubio pro Parquet!


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Voltando ao bojo do assunto. Araxá ([Do tupi.] S. m. Bras. Península em forma de tabuleiro; um lugar onde primeiro se avista o sol) = condado habitado por uma cacetada de gente (87 mil e uns quebrados (?), segundo último censo publicado no principal tablóide de lá), oferece diversos atrativos mais pitorescos e lúdicos que o “folclórico” boteco-monumento onde se desenvolve boa parte do filmóide: quegê “conceitual” freqüentado pela nata-Corolla e bajuladores. Araxá, apesar de toda a sua peculiar exuberância paisagístico-carcinogênica, não conseguiu ser devidamente explorada quando da gravação do curta-metragem, no sentido de se comprometer com a definição, mesmo que anacrônica e desinteressada, de Sétima Arte (agora me lembro de O Retorno, do russo Andrey Zvyagintsev: um ás da comunicação fotográfica: o cara soube metaforizar a figura paterna, simbolizada pelo elemento/fenônemo água: presente, necessário, imprevisível e perigoso tal qual um pai. Detalhe: O Retorno foi o primeiro filme de Zvyagintsev!). O curta, via Sétima Arte, não deslancha, chafurda ainda no tilintante título. Combina a manjada receita de angu redeglobista com apelo turístico marqueteiro. O citado repórter até enfatiza o serviço vipe prestado ao turista no hotel em que se hospedou (embora quem conheça a cidade e seus hotéis – ainda não tive tamanho deleite – de cara nota que o personagem Fabiano Duprat se hospedou em 2 hotéis ao mesmo tempo: no constelado Ouro Minas Grande Hotel e no Hotel Colombo. Nah. Todavia, isso não vem ao caso). Ele recebe massagens e toma aquela ducha hidromineral durante o filme – numa cena típica de trailers: “Visite o Rio e conheça o Brasil”. Outro ator, uma sumidade, tido e dito personalidade-patrimônio local, notabilizado por (re-)contar “causos” estelares, habilmente, porta consigo o nome duma ave cantante, todavia devia ser atendido – coerência e justeza (justiça não existe, apodreceu numa masmorra!) sejam feitas, ao menos antes desta exclamação! –, pelo nome doutro pássaro, um cuja proeza se encerra no dom da repetição, obediente e behaviorista, do falado por terceiros os quais ombreia. Causo concreto. Nem o “maior artista araxaense”, homenageado com um museu a incrustar seu nome, imiscui-se do clichê. Sua obra, em sentido lato, além do burlesco senso histórico e duvidosa apologética (ao pintar e esculpir, ele mitifica a figura do bandido bandeirante, acompanhado de seu trabuco, o qual saqueou/dizimou aldeias e quilombos, saudando-o na condição de bravio herói embustável, digno de participar do elenco da Marvel), dá a imaginar que foi pintada enquanto ensinava a seus alunos, de tão didática se nos afigura. E se é que ele dispunha mesmo de talento, de que adianta tal virtude enquanto a originalidade estiver à parte, relegada a mero componente dispensável, porque secundária? Discordo que originalidade seja mera condição complementar. Acho inviável separar um atributo do outro: talento & invenção = par indesvencilhável, atributos gêmeos-siameses; um não sobrevive longe do outro.


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Dogville e O Retorno provaram ser possível um cinema deleitoso sem se apoiar no tripé 'luz, câmera, ação'. E não no sentido hierárquico da exclusão, mas no de se conferir valia à independência de cada um destes suportes. Arte é sinônimo de invenção, resistência e declaração de guerra a estereótipos dominantes (nocivos), logo tanto Calmon Barreto (pretenso artista supracitado que, da mesma forma que os japas em seus mangás esbugalham os olhos de seus desenhos, espicha o pé de suas estatuetas, aproximando-as de Joões Bobos) quanto Expresso acatam, à risca, a continência do recalque; de nada destoam, nada acrescem, combatem ou instigam. Sequer irritam (meu amargor erga omnes se materializa por conta própria, gratuita, livre, por instantânea vontade e propensão eletromagnética)*. Empolgada demonstração de chauvinismo em versão tribal, sopor e veneração ao deus pão de queijo – contrapondo-se, segundo a dogmática do microondas, à existência de croissants, panettones via forno a lenha. (___) De que adianta a fidelidade a tecnicismos e ao berço em detrimento de se trair a arte, o cogito ergo fiat lux? Expresso vem a ser uma flagrante prova d'O Culto ao Amador, assinalado por Andrew Keen. Se o leitor brasileiro tem mania de se tornar escritor (como se fosse irrecusável tal conciliação, pois acha que escrever é mais importante que ler), segundo sublinhado por Polzonoff Jr., o telespectador, na condição de cinéfilo, jura que pode bancar o cineasta. O papel do leitor/tevente é tão – ou mais – relevante que o de escritor/cineasta, ô.


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Vivemos sob o pálio duma empulhação democrática onde tudo é permitido, mas nada se faz em matéria de invenção. Sou obrigado a aceitar o não solicitado e/ou tudo que me oferecem – sob a condição de, estoicamente, extirpar o enjeitamento. Recebi uma proposta pra publicar o presente texto num site araxaense: contanto que a [minha] crítica soasse favorável e convalidasse a opinião dos que se surpreenderam com o filme em comento* (humpf, a mídia pode muito bem veicular a opinião do autor sem se responsabilizar pelo teor do publicado. Vai entender essa fobia... Quem tem medo de se sujar não precisa/merece tomar banho!). Ratifico: o mérito está no fato de se ter feito um filme apenas com figurantes. Não há atuação patavina. Se Expresso fosse uma canção, na certa seria cover de peido mixuruca. Não há abordagem histórica, tino crítico, focagem interessada em questionar mazelas sociais, geopolíticas; não há humor, suspense, terror, drama, ação – só um cafezinho requentado em microondas. Porra. Se em 10 minutos é possível fazer um filho – coisa muito mais intrincada –, em 20, o dobro do tempo, dá pra trazer a esse mundo indecente algo menos troçável. Assistir a videocassetadas do Faustão dá mais lucro, ops, menos ônus, digo. Gravar um marmanjo desengonçado de cueca e capa do Batman sobre um velotrol descontrolado surte mais efeito. Dizer que o filme se amolda ao gênero policial novamente corrobora o desconhecimento de cinema por parte de Chico Lima e patota. Desde quando “reconstituir reconstituições” de Linha Direta in loco hoteleiro importa em ato criativo? Assistir ao filmete foi uma experiência tão maçante e difícil quanto evitar a incidência pleonástica neste último apontamento. O problema maior do Expresso não é o abuso de clichês, mas a imaturidade acneica de não se saber o que fazer deles. Sin City figura pontilhado de elementos pop, todavia os reveste de uma roupagem nova, provocativa, espevitada. Joga com o estereotipado, porém embaralha os lugares-comuns e sabe reparti-los, melhor, tem consciência do blefe e seu momento; conhece o adversário, i. é., o telespectador.


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Fazer um filme pretextando corrigi-lo na próxima tentativa viria a calhar como salivada (preguiça de precaver ou deslumbre ansioso pela aparição?), na ponta do ‘uai’, pelos envolvidos no Expresso Araxá, não fosse ele confeccionado sob esp(r)essa crosta de solícita pretensão e gabo pueril. Desconhecem-no como fiasco, de cabo a rabo, tanto que anunciaram – e não só aventaram –, inscrevê-lo em festivais Brasil afora. Filme tão original quanto o texto advocatício: não há, hoje, um só habitué que não tenha sido aliciado pela silhueta das petições-pin-up prêt à porter, sob medida pra todos casos e gostos, compiladas em manuais de prática forense, donde, quase sempre, só se requer a alteração dos dados cadastrais dos litigantes/requerentes. Isso se verifica também em Expresso. Isso fede, escorre e gruda nos folhetins de Araxá (cidade velha com estatura de criança), os quais se preocupam mais em noticiar a origem do trabalho – narcisismo provençal – do que em apurar se o trabalho tem ou não seu valor e se convém dimensioná-lo. Dá a entender que não importa nunca a qualidade do filme; merece sim holofote o buraco atro que lhe deu à luz: simpatia patológica alusiva ao conterrâneo. O mérito depende da origem, não do resultado nascido. Comportamento mais bolhesco. Dogvilleano. Aproveitaram-se do já feito e em larga escala consumido. Aumentaram a produção de enlatados televisivos pros quais nem sequer há mais gôndolas – o que leva a despejá-los num entulho o qual se avoluma e tapa o olhar de quem ouviu alguém comentar que ainda existe originalidade, porque sabe-a doutro lado. Desperdício do desperdiçável. Coisa danosa, de cunho patrimonial, o fabrico da mesmice. Crime intelectual. Raro quem atesta idoneidade pra construir (e não espero algo útil, necessário ou fascinante, mas apenas simpático e prazeroso), pois o entulho de pastiches obnubila o impulso inventivo, impõe um orwelliano eclipse sobre o direito de acesso à idéia inédita. Expresso chegou tão relaxado quanto quem se recosta no sofá pra vê-lo – uma proeza, pois não é possível enxergá-lo. Vejamos: se o Senhor de mil nomes edificou um mundo em 6 dias, hoje em dia, em 20 minutos, pode-se acabar com 6 mundos; em 20 minutos, Dr. Fritz, sem recorrer à assepsia ou firulas afins, remove o câncer duns 40 pacientes munido de seu serrote.


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Ao contrário do observado em Dogville, diretor/roteiristas do curta necropsiado parecem tê-lo feito sob a mentalidade-carta-na-manga de que uma experiência cinematográfica inaugural não deve ser encarada com tanta seriedade e compromisso, sendo-lhes resguardado o direito de degringolar na primeira tentativa e ainda assim reivindicar benesses e receber honrarias de praxe. Até Dogville resvala, entretanto Lars von Trier (diretor/roteirista) tem um diferencial: não protela a chance da flagrância do deslize, sana-o pouco tempo depois, durante o próprio filme*. Mas, como disse pra riba, haver-me-ão de puxar a orelha e advertir: “Você está sendo injusto, exigente e desproporcional em cotejar Expresso (20 minutos de lenga-lenga arrebitada) com Dogville (mais de 1 hora e 70 minutos de hipnose funcional: suprimiu-se a montagem cinematográfica usual, um verdadeiro espetáculo praticamente destituído de recursos/objetos cênicos; sobrepuja o minimalismo das trilhas sonoras de Philip Glass e até mesmo de alarmes monofônicos. Sim. Nem duma trilha sonora Dogville se vale, além de prescindir de muros, paisagens, casas e portas: tudo se passa num tipo de asfalto em cujo negrume se traçou com giz (nomes) de ruas a residências, de arbustos de groselha a um cão²)”. Tsc. Independentemente da seara, não faz sentido adotar uma postura complacente diante de tudo chegado até mim, se há a meu alcance melhores exemplos de manifestação áudio-visual e se tenho o direito de exercer a escolha, exigente, e refinar o faro, acatando-a como condição de dever irrevogável. Ratifico: se tenho melhores exemplos a meu dispor, por que vou me refestelar diante do pior? Expresso saiu triste até na escolha do título (marca fantasia de café pequeno), portanto há de ser prato cheio pros cropófagos.


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A ereção do curta ocorre quando o protagonista Luiz Paixão (há divergência aqui: segundo o Jornal da Manhã, Sérgio Fonta é quem "encabeça o filme") flagra sua mulher cavalgando, qual uma amazona – sobre seu sócio, amigo ou algo que transpire tal qual. Considerando o público alvo carola e o contexto do curta, uma cena, arrojada, soou kenparkiana e sobremaneira infundada. Por que não optou-se por sugeri-la, ou melhor, omiti-la? No tocante ao nível (deveria dizer ‘alto’ ou ‘baixo’?) de realismo projetado, quis-se chocar, gratuitamente. Incomodou justamente porque já temos sexo (explícito) suficiente cravejado em nossa programação televisiva, logo a mancada não foi a cena em si. Cadê a novidade, pombas? Humpf. Não é de se estranhar a predominante tibieza: a equipe nunca gravou nada além de vídeos publicitários e campanhas eleitorais. Ademais, durante a exibição inaugural consumiram mais de 1 hora com solenidades – 5 tocando moda de viola, 10 discursando e agradecendo por minha presença; explicações, nomes, sobrenomes, abraços, cumprimentos e mais discursos, distribuição de pão de mel no encerramento, (___) abertura oscarizada tão desnecessária quanto o mais. Acho que a tática foi essa: deixando o público extenuado com a demora, todos formariam um juízo positivo acerca do filme, porque seria 'mal' visto. Mas eu o vi, de olhos anfetamínicos. Senti uma saudável inveja por não participar daquela satisfação inebriante. Contive uma arrebatadora impaciência no meio do burburinho. Senti de novo inveja por não ser paciente o bastante pra compreender o porquê dessa postura refém do clichê. “Mas filme policial é assim mesmo” – justifica-o, logo um prof. de artes que, ao que indica, estava sentado ao meu lado, mas não numa cadeira, no chão, pois só o notei quando já posto em pé. Diante da explanação “...filme policial é assim mesmo”, restou-me dirimir que ele quis dizer “filme policial deve ser assim mesmo”. Por quê? Por que deve ser assim o tempo todo? Qual o problema com o desmanche de regras ou, pelo menos, com a chance de modificá-las? O cara que fez o filme pode ser qualificado de tudo, menos de cineasta, pois este é sinônimo de artista; ser artista, por definição, importa no esforço de vitalizar o inédito. Dá a entender que estamos todos sob a neurose da revisitação indiscriminada e inadvertida de arquétipos passionais; que estamos passivamente sujeitos a um imperativo legal o qual preceitua ser defeso o estancamento da estereotipia, como se não houvesse alternativa à repetição do difundido pela tevê e demais mídias de massa. Expresso Araxá, em sentido restrito, só vem a reforçar as ocorrências de colagem bruta de perfis, como sói noutros domínios de expressão. Esse ideal persecutório do monocórdio sem nada a ver com tradição... Não dá pra suportar esse magnetismo pelo enlatado. E não venham me tachar de rabugento e e e baixo-astral. (___) Sou apenas quem traz consolo. E dane-se qualquer lugarejo donde se avista o sol.


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Notas de rodapé e glossário em breve.