
Anteontem derramei catchup na calça do patrão. Ontem ele me assegurou, polidamente, que sou insuportável. Hoje maculei sua bermuda Polo com catuaba Pinheirense. Boquete bêbado não rola. Amanhã ele rasgou uma G Magazine – com inédita pin up do Ursinho Puff ilustrando a capa –, a qual recebi pelo dia dos pais, no dia das mães. Depois de amanhã eu o garanti ser insuportável o seguinte: o fato de não se acumular inimigos.
Todos-tudo me amam, desejam de quatro, às quatro, em (ponto-)pé. Amor empola. Engorda. Irrita. Dilata a propensão à exposição vã do perdido enquanto dito por amor. Potencializa o perfeitamente chato. Um compromisso, a dois, pode anular as particularidades legadas da estrutura ancestral mais sólida. Quem ama conjuga verbos, porém comete adultério quando se mostra leal à temporalidade instituída pela matematicidade metódica, enraizada e estéril de ampulhetas dotadas de tecnologia de ponta. Cobro importância elevada de meus clientes quando os previno dos riscos decorrentes do litígio. Pago-lhes vivos cifrões profusos para afrontarem o desafeto graúdo, facundo, arguto, filho da empáfia acadêmica, bastardo da aristocracia remanescente. Aprecio o divagar rápido da covardia preventiva. A palavra “amor” é uma imagem relutante a saracotear no ar, enquanto o silêncio delata a presença cósmica da intrapessoalidade descortinada pelo egoísmo necessário e edificante.
“Insuportável a ausência marital no lar” – lamuria a esposa a remover toda a bosta-crosta da cueca, ao passo que é muito mais nociva a presença venenosa de quem xinga o amado por amor incorrespondido. Ela jura para os pinheiros, samambaias e grama inteira não tocá-lo nunca mais. Ele promete o mesmo. Ela descumpre no mesmo dia, dirigindo uma vibração sonora que colide contra seu aparelho auditivo. O ser humano compreende o resultado da atividade exercida. Quem ama então é rufião ou cafetina, pois avaliza o sentimento do outro na medida que o seu lucro dependa exclusivamente da resposta (tardia embora sempre compulsória) do amado. Por isso imputo tanta valia ao inimigo decente, pois ele, acaso se enlameie com o ora exarado, aporá seu despeito zombeteiro, externando seus “porquês”, sejam eles coerentes, sejam eles oportunos ou não, enquanto muitas vezes quem jura me amar se atém, preguiçosa e superficialmente, tão-só ao grito lacônico da imagem que o ilustra, e despeja uma falsa torrente de autômatos elogios adocicados com a necessidade ofegante de se expor através do comentário-puta – o que me deixa emputecido.
Quero inimigos. O texto há de recrutá-los! Um deles, o lapso. O passado-presente-futuro forma uma suruba. Como conjugar o tempo se não posso determiná-lo quando o conjugo? O ontem-hoje-amanhã trepa(m) no formato sanduíche, todavia como saber se o futuro, o presente ou o passado ocupa o recheio? Nele subsiste a pluralidade ou a singularidade do sujeito verbal? A subjetividade temporal pode ser cantada em três identidades verbais, isto é, na voz da objetividade? O tempo é uma ininterrupta orgia entre o pretérito, ínterim, porvir. Uma suruba tão bem fu(n)dida que os sexos-tempos se resumem a um só gozo-conceito vago, nada irredutível. Insuportável a ausência do tempo em que colecionava inimigos. Inescusável a idéia minimalista de tempo.
Chegou um cara que me ama. Amigo. Ele disse que se “alembra” como dizer analfabeto em deutsch e aproveita para agulhar meu guarani porque não consigo conjugar o verbo “lembrar”. Vou embora depois dessa. Meu tempo escoou. A catuaba pifou. O cigarro calou. O texto... fin/ou. Retire-se, leitor! Foda-se-me. Não lhe devo mensagens de auto-ajuda, aforismos polêmicos, sugestão de como aumentar o diâmetro do boquete, responder por que uma ereção bem sucedida culmina com a horizontalidade da base peniana, sequer apontar uma panacéia para obstaculizar a inserção de terminologia pornográfica no texto... Quero mesmo um inimigo. Quer ser um? Mesmo? Êba! Vamos então tomar uma pra celebrar. Eu pago!